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Virando deserto

Em 2018 estive passeando pelo imenso Estado de São Paulo, do tamanho de um país. Fui até Araçatuba, Presidente Prudente, Assis e Botucatu. Trabalhar, passear, celebrar. Encontrei muita gente querida, reencontrei familiares e foi tudo muito intenso.

Mas a aridez me ofuscou. Falta árvore no campo, falta árvore na cidade. Dá tristeza ver o solo exposto, as imensas monoculturas de cana e eucalipto, um boi aqui e outro ali no meio de gigantescos pastos ressecados. Se alguém me perguntar qual a receita para fabricar um deserto, acho que copiaria as linhas acima. E recomendo muito a leitura do relatório “O futuro climático da Amazônia”, do cientista Antônio Donato Nobre, que explica lindamente onde essa insanidade desmatadora pode nos levar. Nesse texto aqui, porém, vou ficar mais com as minhas sensações…

Há dez anos me tornei agricultora e venho aprendendo um pouco a cada dia como ler a natureza. Ouço a terra pedir socorro por toda parte. E, nas cidades, vejo-a totalmente sufocada por camadas de asfalto e concreto. As calçadas não têm árvores, as pessoas infelizmente cimentaram seus quintais e subiram os muros. O ar é seco e as ruas fervem no verão.

Fico imaginando o por quê dessa aversão ao mato. E na minha cabeça vão brotando relações entre cimentar o chão e concretar os próprios impulsos, sentimentos e desejos.

As paisagens que construímos são representações de nossos universos interiores. Então, se quisermos deter os desertos externos, vamos precisar de coragem para transformações pessoais que podem ser doloridas. Deixar para trás a zona de conforto para renovar relacionamentos, ideias, padrões de comportamento.

Nessa jornada fui conhecer a Estância Demétria, em Botucatu, bairro rural que é um oásis de natureza onde há 40 anos existia apenas um pasto degradado. E o Sítio Beira Serra, na mesma cidade, onde a permacultura é colocada em prática. São locais onde a natureza já está de volta, pronta para se espalhar.

Voltei para minha querida São Paulo sonhando com um Estado inteiro agroflorestal e agroecológico, dividido em pequenas propriedades, produzindo muito alimento orgânico, com suas fontes de água restauradas. Tipo assim um Jardim do Éden. Tipo assim a paisagem que roubamos das sociedades indígenas que aqui viviam antes da invasão europeia. É possível. Basta a gente começar a sintonizar nessa frequência e transformar as políticas públicas que estão jogando cimento e monocultura por aí em incentivo à economia justa, solidária e ecológica.


O solo está assim, virando deserto


Mas poderia estar sempre assim, produzindo comida


As ruas estão assim, desérticas


Mas poderiam ser assim

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