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Como as empresas enxergam o lixo que produzem

Em 2013 participei como delegada da Conferência Municipal de Meio Ambiente que regulamentou a Política Nacional de Resíduos Sólidos no Município de São Paulo. Durante os encontros preparatórios, colecionei Informações Interessantes (INF. INT) e dúvidas (DUV), que registro abaixo:

INF. INT – De acordo com André Vilhena, o representante da CEMPRE (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), um grande entrave para o setor é a carga tributária sobre o produto reciclado. A Confederação Nacional da Indústria está pedindo ao governo revisão desses tributos e, de quebra, um acordo que beneficie as embalagens de modo geral.

DUV – Peraí, estão falando em embutir incentivos a embalagens descartáveis na conversa da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que prioriza a redução da produção de lixo e a reutilização de materiais? Será que ouvi direito?

INF. INT – O representante da Abividro (Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro), Lucien Belmonte, afirmou que a entidade garante a retirada e reciclagem do vidro, desde que a quantidade oferecida seja acima de 4 toneladas e o local esteja a menos de 130 de uma das fábricas afiliadas. Também confirmou o interesse da indústria em reciclar 100% do vidro, pois a emissão de gases do efeito estufa nesse caso é menor do que a fabricação a partir de matéria prima retirada da natureza. De acordo com ele, mais da metade do consumo de embalagens de vidro no país se concentra em bares, hotéis e restaurantes, que ainda não montaram um sistema de logística reversa. Ainda comentou que cerca de 30% da vodca e do uísque consumidos no país é falsificado, pois as embalagens separadas para a reciclagem muitas vezes tomam o mau caminho.

DUV – Simplesmente o fabricante da bebida recolher, lavar e recolocar a mesma garrafa no mercado, como ocorria até uns 40 anos atrás, não é muito mais sensato do ponto de vista econômico e ambiental? Por que não se investe nessa alternativa?

INF. INT – Hermes Contesini veio falar em nome da Abipet (Associação Brasileira da Indústria do PET). Revelou que 90% do PET consumido no Brasil embala refrigerante, água mineral e óleo de cozinha. A reciclagem vem crescendo, mas empaca na dificuldade de recuperar o plástico que foi para o mercado e acaba no lixão ou aterro sanitário. Cada brasileiro está consumindo em média 3 kg de PET ao ano e nos Estados Unidos são cerca de 8 kg. Por isso, a indústria estima que o mercado ainda está em expansão. Para completar uma tonelada de PET são necessárias aproximadamente 20 mil garrafas (descobri no site da CEMPRE que a indústria paga cerca de R$ 1.700 por essa quantidade, desde que devidamente limpa e prensada). A indústria têxtil é a que mais consome PET, pois o material foi desenvolvido inicialmente para substituir o algodão em tempos de penúria pós-guerra. O Japão é um grande consumidor de PET, mas não recicla absolutamente nada. Envia todo o resíduo para a China, que o transforma em roupa barata para exportação. A Anvisa não está liberando o PET reciclado para embalagem de alimentos. Há apenas um projeto de transformar garrafa em garrafa atualmente acontecendo no Brasil: o Bottle to Bottle do Guaraná Antarctica (http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2012/novembro/guarana-antarctica-lanca-embalagem-brasileira ).

DUV – Quer dizer que a indústria está sonhando em mais do que duplicar o consumo de PET no Brasil? Com isso as praias vão ficar ainda mais forradas de plástico do que já são? Quer dizer que tem muita roupa por aí que é feita com lixo japonês? Por que será que a Anvisa não quer liberar o PET reciclado para embalagens? Quais seriam os riscos para a saúde? A dificuldade em recuperar o PET para a reciclagem não seria devido ao preço baixíssimo que a indústria paga pelo material (200 garrafas limpas, prensadas e amarradas = R$ 17)?

INF. INT: Luzia Honorato, do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, contou que os catadores não conseguem sobreviver apenas da venda do material. Pelo vidro, por exemplo, estão conseguindo cerca de R$ 0,10 por quilo. Para viabilizar a atividade é preciso que os trabalhadores sejam remunerados também pelo serviço de coleta e separação dos materiais. Os caminhões de coleta da prefeitura compactam a carga de modo que quase 50% fica impossível de reciclar. Isso tudo vai para os aterros, apesar do esforço das pessoas em limpar e separar em casa. Sistemas de coleta alternativos ou a entrega voluntária do material em cooperativas e supermercados são opções melhores. Ainda há ignorância e desrespeito em relação à coleta seletiva e até cadáveres de animais de estimação apodrecidos chegam com frequência às cooperativas. A Lei de Zoneamento do município não permite a instalação de cooperativas praticamente em local algum.

DUV – Já que o dinheiro que recebem com a venda do material reciclável é irrisório, quem vai pagar o salário de que os catadores precisam para viver? Se a maioria das pessoas acha a reciclagem uma solução mágica para o problema do lixo, por que as cooperativas não conseguem espaço para se estabelecer na cidade?

INF. INT – Lá pelas tantas, Rachel Moreno, ativista e nova amiga, que estava na plateia, questionou um dos palestrantes dizendo que até  70% do preço de um produto corresponde à embalagem (informação que ninguém contestou).

DUV – Por que ainda existe embalagem descartável?

Relato da minha participação na 4ª Conferência Municipal do Meio Ambiente (2013) como representante eleita da população do subdistrito de Pinheiros.

Foram três dias de muito trabalho e aprendizado. Em primeiro lugar, me chamou a atenção que o engajamento dos cidadãos das regiões periféricas era bem maior. Mais adiante ficará claro o motivo. O encontro abordou unicamente o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da Cidade de São Paulo. Não começamos do zero. Muito ao contrário, todas as discussões se pautaram por um documento de 60 páginas escrito a partir de reuniões realizadas nas 31 subprefeituras, oficinas temáticas, grupos de trabalho interssetoriais e propostas da equipe técnica da prefeitura. Um processo bastante democrático, porém pouco divulgado.

Só para ter uma ideia do desafio, atualmente menos de 2% dos resíduos coletados pela prefeitura vão para a reciclagem. Mais de 98% têm os aterros como destino, o que representa um enorme problema ambiental e desperdício de recursos. A meta para 2032 é dar um fim mais nobre para 70% dos resíduos (30% continuarão indo para os aterros). A conferência se concentrou nas estratégias para alcançar esse objetivo, que não foi questionado.

Além dos delegados da sociedade civil, havia representantes do empresariado e do poder público. Todos com direitos iguais a voz e voto. Cada delegado poderia escolher uma sala temática e lá fui eu para a dos Resíduos Orgânicos, ou seja, tudo aquilo que a natureza produz e, se deixarmos, ela mesma sabe reciclar lindamente transformando em adubo. Estou falando de restos de comida, podas de árvore, talos, caroços, folhas secas, madeira, serragem etc que representam 51% do lixo produzido em SP. Assunto totalmente ligado à agricultura urbana e às hortas comunitárias, já que usamos exclusivamente composto orgânico e esterco como adubo.

Fechados numa sala sem janela durante todo o sábado de sol, debatemos e alteramos as 23 diretrizes, objetivos, estratégias e metas apresentadas para os orgânicos que, no documento final, se tornaram 31. Logo no início dos trabalhos, percebi que valeu a pena participar desde 2012 do Grupo Pró-Viabilização da Compostagem em São Paulo, uma rede de pessoas interessadas em promover essa prática e não uma ONG ou grupo institucionalizado. Graças em parte à nossa militância em favor da compostagem, tanto no Programa de Metas da gestão Haddad quanto nesse PGIRS (sigla do tema da conferência), ganhou força a ideia de que a cidade deve compostar aqui mesmo os resíduos orgânicos que gera. A discussão passou a ser sobre a melhor forma de fazer isso.

Nesse ponto abandono o relato do evento para refletir sobre os próximos passos. Um ponto importante do plano é que São Paulo em breve vai ganhar quatro grandes Centrais de Processamento da Coleta Seletiva (para os resíduos industrializados) e imensas Unidades de Compostagem. Ou seja, de modo geral o município adotará  soluções macro para seu lixo nos próximos 20 anos.  Isso implica em investimentos volumosos, caminhões de coleta que continuarão circulando intensamente e concentrar as concessões em grandes empresas.

Outro ponto muito delicado: a centralização das soluções do lixo gera injustiças territoriais. Nas regiões mais ricas, onde a produção de resíduos é maior, não há aterros e provavelmente não serão instalados centros de triagem ou de compostagem. Moro em Pinheiros e os caminhões de coleta levam embora tudo o que recolhem aqui. Mas o distrito de São Mateus, na Zona Leste, já possui quatro aterros e agora está em estudo a instalação do quinto. Aliás, nos bairros privilegiados da cidade, todo muito acha ecochique reciclar, mas a população sequer admite que cooperativas de catadores se instalem.

Pessoalmente, sou uma adepta da descentralização de tudo, baseada na filosofia do Small is Beautiful. E da extinção do lixo, baseada na ideia do movimento Do Berço ao Berço (.  Acredito que embalagens descartáveis não deveriam existir, com exceção do papel e papelão impresso com pigmentos vegetais, que vira adubo facilmente. Que todos deveriam compostar seus resíduos orgânicos. Que os supermercados deveriam vender a granel e os líquidos serem transportados em vidros retornáveis. Mas quando digo isso para amigos e empresários, a resposta em geral é: “Isso é impossível, não é prático, dá trabalho, ia complicar muito os negócios.” Desconfio que essa opinião mudaria radicalmente caso o tratamento do lixo ocorresse obrigatoriamente no local onde foi gerado. Se as garrafas PET, as fraldas descartáveis, as latas, os aparelhos eletrônicos quebrados e tudo mais tivesse que ser processado do lado da nossa casa, tentaríamos ao máximo não gerar lixo, não é? E o catador de materiais recicláveis seria o herói da vizinhança.

6 comentários em “Como as empresas enxergam o lixo que produzem”

  1. Oi Cláudia,
    Infelizmente, a tendência maior no mundo sobre o fim de vida das embalagens esta na reciclagem da matéria (PET, vidro, PEHD, etc…) que se sobrepõe à antiga maneira de levar de volta a garrafa vazia ao comerciante que a vendeu, em troca de algumas moedas…(reutilização, consigne)
    Esta pratica ainda existe em alguns lugares. Eu vi na Alemanha alguns distribuidores automáticos de bebidas que recolhem as garrafas vazias. Na Alemanha este sistema de reutilização direta convive com a reciclagem. Cada um vê vantagens nos dois tipos, que, convenhamos, sao melhores do que terminar no aterro sanitário.
    Você e os industriais também se perguntam como e quem vai pagar pela reciclagem. Aqui na França, quem paga pela reciclagem é o consumidor. Quando você compra por exemplo, um aparelho elétrico, potinho de iogurte ou garrafa de PET, (ou daqui à pouco um sofá), você paga uma taxa inclusa de reciclagem (alguns centavos).
    Quem controla isso tudo sao os organismos privados chamados “eco-organismes” que tem as contas controladas pelo estado. (por exemplo, http://www.ecoemballages.fr/) Os eco-organismos recolhem as taxas dos produtores, fabricantes e importadores de matérias texteis, elétricos e eletrônicos, embalagens em geral. Existem critérios de preços, se uma embalagem é feita de múltiplos tipos de materiais, dificultando sua recliclagem, o preço da taxa sera mais caro. Este dinheiro recolhido pelo eco-organismo é distribuido às empresas que recolhem (coletam) e reciclam.
    Tudo isso porque aqui o preço da mao de obra necessária para a reciclagem custa caro e o preço da tonelada reciclada nao cobre os custos da coleta, transporte.
    Cada país tem a sua economia e nao existem esquemas prontos à aplicar. E matéria de lixo, cada cidade, cada regiao tem características diferentes e o Brasil nao pode aceitar soluçoes prontas vindas de fora.
    Este é o meu trabalho aqui na França, pode me passar perguntas, se eu puder, responderei. Gostaria muito de ir à conferencia, mas nao poderei, entao estou indo à distancia! 🙂
    Desculpe pelo português, perdi um pouco o habito!

  2. BOm, só queria esclarecer uma coisa citada por você aqui acima “O Japão é um grande consumidor de PET, mas não recicla absolutamente NADA. Envia todo o resíduo para a China, que o transforma em roupa barata para exportação.”
    Achei estranho pois tive contato direto com Japoneses falando das suas práticas e inclusive vestidos com roupas produzidas, mas fiz uma busca rápida, uma das primeiras coisas que encontrei exatamente no site DO CEMPRE foi:
    “Em 2009 O Brasil alcançou novamente o segundo lugar na reciclagem do PET, perdendo apenas para o Japão que reciclou 72,1%.”
    http://www.cempre.org.br/ft_pet.php

    Então fiquei meio confusa em relação à sua afirmação anterior.

    1. Olá Lorenza,
      O que foi comentado pelo representante da AbiPET na Conferência é que no Japão não existe nenhuma indústria de reciclagem de PET. O resíduo é enviado para a China. Possivelmente essa estatística que você menciona diz respeito à PET que é recuperada no país para ser encaminhada para a reciclagem.

  3. Cláudia
    Realmente a primeira opção em relação ao lixo é EVITAR sua geração. E, em relação às bebidas, o mais saudável e gostoso é COMER A PRÓPRIA FRUTA (a “embalagem”/ casca é totalmente reciclável pela natureza). Ocorre que a indústria dos sucos e refrigerantes surrupiou esse direito da gente (LUCRO! LUCRO! é tudo que esse pessoal sabe gritar …).
    Mas, os governos locais deveriam incentivar alimentação saudável e plantio urbano inclusive de árvores frutíferas!

  4. É uma inversão completa de conceitos o que o eco-capitalismo está tentando fazer no setor de resíduos sólidos. E sempre os de cima querem dar um jeito de lucrar mais, deixando os prejuízos para os de baixo. Mais pet per capita? Significa mais crianças obesas e acostumadas ao desperdício de matéria prima em forma de embalegens de bebida artificial!!! Vamos deixar essa gente gananciosa das indústrias decidir sobre o futuro de nossa sociedade? O bolso deles agradecerá e nossa saúde coletiva e individual chorará amargamente. Precisamos dar o recado, mas para isso é preciso sair da zona de conforto da cultura do descartável e do lixo que some de casa como mágica! Valeu, Clau, muito boa matéria!!!

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